Segundo a presidente da Associação dos Oftalmologistas, Paula Ragnini, esse surto “é o maior em número de casos e de gravidade já registrados no Brasil”

 

Não se sustentou mais que duas horas a narrativa construída pelo governo de Marcos Rocha para tentar desacreditar as denúncias feitas pelo deputado federal Léo Moraes (Podemos), devidamente confirmadas pelo Conselho Regional de Medicina (Cremero) e pela Associação Rondoniense de Oftalmologia (Aroft) sobre as atrocidades causadas por mutirões de cirurgias contra cataratas que causaram um surto de infecção bacteriana que está levando dezenas de pessoas à cegueira.

Com base em informações da Cremero, da Aroft e de próprios pacientes e familiares, o deputado Léo Moraes fez denúncias ao MP para que se apure o ato desumano contra dezenas de pessoas. Cada movimento, o parlamentar postou em suas redes sociais, onde se juntaram outros tantos depoimentos de famílias que estão passando pelo mesmo calvário.

Apesar de admitir o surto infeccioso, em resposta, a equipe do governo primeiro disparou memes em diversas plataformas das mídias sociais com o carimbo de ‘fake news’ sobre as denúncias de Léo Moraes e depois providenciou uma coletiva de imprensa com a presença do secretário de Estado da Saúde, Fernando Máximo e com a represente da empresa contratada para os mutirões cirúrgicos, Marília Guimarães, além de uma paciente usada como ‘testemunha’ que relatou dores no osso do rosto no pós-operatório, mas nada relacionado à infecção.

A versão consistiu em reforçar três pontos: que o governo está dando toda a assistências necessária e que os pacientes não correm risco de ficarem cegos; que a denúncia do deputado era ‘fake news’ e ainda, para confundir a opinião pública, manipulou números afirmando que os mutirões são feitos há três anos e em mais de 15 mil cirurgias, “só” apareceram esses 40 casos de infecção bacteriana. Ocorre que o surto foi detectado em mutirões realizados em fevereiro, em Porto Velho, o que eleva a proporção do dano a números e percentuais assustadoramente alarmantes. Algo acima de 10 por cento.

Segundo o Cremero, o mutirão de cirurgias oftalmológicas que resultou em 40 casos de endoftalmite (infecção oftalmológica pós-cirúrgica), foi realizado em fevereiro. “A ocorrência aconteceu durante três dias de mutirão, realizado pela Secretaria de Saúde do Estado de Rondônia (Sesau), quando foram operados em Porto Velho em torno de 120 pacientes por dia”.

Surpreendentemente, parte da imprensa que fez a cobertura da entrevista coletiva, ao invés de aproveitar a oportunidade para questionar e confrontar a narrativa oficial com as informações e constatações divulgadas pelo Cremero e pela Aroft, “passou pano” e mandou à frente a versão oficial, inclusive chancelando as que acusam as postagens de denúncias do deputado Léo Moraes como fake News.

O grupo enfurnado no Palácio Rio Madeira para disparar memes, a maioria servidores comissionados, dos quais vários foram identificados, não teve, entretanto, muito tempo para comemorar o teatro da coletiva. Menos de duas horas depois, o deputado Léo Moraes visitou dois pacientes dos tais mutirões, o ‘seu’ Antônio, um senhor de 70 anos, que ficou cego de um olho, inclusive esbranquiçado, como sinal de que a córnea foi afetada, e outro olho diz enxergar apenas vultos, sem conseguir, contudo definir do que se trata. No auge do desespero, sentindo-se inválido e culpado, fala agora em se matar. É preciso que fique permanentemente vigiado por algum familiar para evitar que o pior aconteça.  

A outra paciente, ‘dona’ Maria, também de 70 anos, ficou ainda pior. Cegou dos dois olhos e não consegue ir sozinha sequer do quarto para a cozinha da casa que conhece tão bem. Em seus depoimentos, ambos divulgados nas redes sociais de Léo Moraes, eles contestam as informações oficiais, dizem que não estão recebendo apoio nenhum e que a única coisa que são orientados e a comprar “colírios caríssimos”.

Ambos negaram também que tenham passado por algum tipo de tratamento ou exames pré-operatórios, nem dos olhos, nem da condição clínica geral.

INCONSEQUÊNCIA                

De acordo com a presidente do Cremero, médica Ellen Santiago, houve “um número abusivo de cirurgias realizadas por dia, em que fica difícil manter a segurança dos procedimentos e pacientes. Dos 40 casos confirmados, 13 foram positivados para a bactéria pseudomonas, a mais grave na especialidade. Esses pacientes correm o risco de perder a visão”, ressaltou.


Em nota pública, a presidente da Aroft, Paula Ragnini, disse que sua associação sempre se manifestou contra esse tipo de procedimento de cirurgias coletivas, tanto que já levou ao Judiciário três ações civis públicas. Segundo ela as cirurgias coletivas colocam e risco a saúde ocular. Ela completa dizendo que esse surto em Porto Velho “é o maior em número de casos e de gravidade já registrados no Brasil”.


O Cremero notificou a Sesau na quinta-feira (10), solicitando, entre outros, a suspensão imediata de todos os mutirões de oftalmologia do Estado, até que seja encerrada a apuração pelo Conselho. Já o deputado Léo Moraes disse que vai até o fim de suas cobranças para que os culpados por esses atos de crueldade sejam identificados e responsabilizados.