Maior alta da Selic desde 2002 vai encarecer o crédito e reduzir o consumo das famílias, responsável por 65% do PIB nacional

A disparada da inflação e os evidentes riscos de rompimento do teto de gastos obrigaram o BC (Banco Central) a decidir pela maior alta da taxa básica de juros desde dezembro de 2002.

O "remédio amargo" elevou a taxa Selic em 1,5 ponto percentual, para 7,75% ao ano, maior patamar desde 2017. Para o próximo encontro do Copom (Comitê de Política Monetária), já ficou sinalizada uma alta da mesma magnitude, que levará os juros a 9.25% ao ano.

Já esperada pelos principais analistas do mercado financeiro, a decisão pela elevação dos juros em um ritmo mais acelerado tem um efeito nocivo para o crescimento econômico e deve interromper o processo de retomada após as perdas causadas pela pandemia do novo coronavírus.

"Com a nova velocidade de aumento de taxa de juros, a recuperação pós-Covid será muito mais lenta. E todos analistas terão que se debruçar nos números para encontrar o novo PIB de equilíbrio, que será muito menor do que o esperado", afirma João Beck, economista e sócio da BRA, escritório de investimentos credenciado da XP.

Para Alexandre Lohmann, economista da Constância Investimentos, o objetivo de elevar a Selic no momento é justamente causar um "impacto recessivo" na economia. "O aperto monetário no atual ritmo, historicamente elevado, pode prejudicar a atividade e até causar uma recessão", explica ele.

As percepções de impacto no crescimento consideram que os juros mais altos encarecem o crédito para investimentos no setor produtivo e, consequentemente, geração de empregos. A movimentação tira o dinheiro do bolso dos consumidores e puxa para baixo o consumo das famílias, responsável por dois terços (cerca de 65%) do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro.

Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos, recorda que a sinalização atual é a inversa em relação à adotada no início da pandemia, quando o BC derrubou a Selic ao menor nível da história, de 2% ao ano. "No ano passado, teve um estímulo para a contratação de crédito, financiamento de automóveis e apartamentos e compras parceladas. Agora, a taxa vai sofrer um ajuste e vamos ver um movimento de contração da atividade por incentivo da alta dos juros", prevê.

Diante do cenário conturbado, os analistas do mercado financeiro já passaram a projetar um crescimento menor do PIB para 2021 e, principalmente, para 2022. O Itaú, por exemplo, aposta no encolhimento de 0,5% da economia brasileira no ano que vem. O ministro da Economia, Paulo Guedes, reclamou das novas projeções, classificou as revisões como "conversinha" e garantiu que o Brasil seguirá "no caminho da prosperidade”.

Solução
O agravamento do impacto dos juros na evolução da economia ainda pode ser minimizado com a adoção de medidas que reduzam a desconfiança de investidores nacionais e estrangeiros no Brasil, conforme afirmam os especialistas.

De acordo com Beck, a indicação de que os gastos públicos não estão em risco é a única solução para salvar a retomada da economia. “O governo precisa sinalizar novamente que a porteira não está aberta para uma gastança desenfreada”, aponta ele.

“Há uma especulação no mercado de que a mudança constitucional não se objetiva somente ao Auxílio Brasil, mas sim em uma mudança casuística para ampliar mais os gastos eleitoreiros ou comprar apoio para barrar um eventual processo de impeachment”, completa Beck.

Na percepção de Gustavo Cruz, existe ainda a possibilidade de retomar a agenda de reformas para acalmar a oscilação da curva de juros diante da incerteza sobre a política econômica que vai ser adotada no ano que vem.

"Se conseguisse avançar as reformas administrativas, já ajudaria a sanar um pouco da desconfiança que começa a aparecer", observa o estrategista, que já vê preocupação com o possível rebaixamento da nota de crédito do Brasil diante da possibilidade de o Brasil furar o teto de gastos.