Mas os criminosos que aplicam esse tipo de golpe não atuam só à noite. No caso de um americano que vive no Rio de Janeiro e estava de passagem por São Paulo, o assaltante foi ainda mais ousado.
O rapaz, que também prefere não ter o nome revelado, foi abordado pelo bandido no parque Trianon, na avenida Paulista, em plena luz do dia.
"Na quarta-feira [17/11], fui à academia no fim da tarde. Depois, fui caminhando e cheguei ao parque em frente ao Masp. Eu tinha um shake de whey que comprei do lado da academia, estava bebendo e fumando um cigarro em um banco. Um cara chegou em mim falando sobre um aplicativo de bicicleta com o qual ele estava tendo problema para cadastrar."
Os dois começaram a conversar e a vítima lembra que o homem se ofereceu para buscar um cigarro de palha, que o assaltante não fumou, e duas garrafas fechadas de uma bebida alcoólica tipo ice.
"Ele voltou com essas duas garrafas de G&T, que estavam fechadas, eu abri as duas garrafas, dei a primeira a ele e a segunda eu bebi. O parque fecha às 18h e a gente estava indo embora. Estávamos batendo um papo legal ainda, ficamos embaixo do Masp. Aí eu começo a não lembrar o que aconteceu realmente."
Ele se recorda de ter entrado em um carro de aplicativo chamado pelo próprio assaltante.
"Eu lembro de chegar ao balcão de um McDonald's e falar que tinha pedido comida e não ter recebido. Me pediram o recibo, olhei no meu bolso e não tinha. Quando olhei para trás, esse cara não estava comigo mais."
Foi quando percebeu que havia sido roubado. Não tinha mais celular nem cartão. "Daí eu apaguei completamente. [...] Não sei onde eu estava nesse momento."
O rapaz teve alucinações e ficou vagando pelas ruas de São Paulo por cerca de 30 horas, até começar a recobrar a consciência e ser encontrado pelo namorado.
Na cabeça dele, haviam passado somente cinco horas, mas foi o namorado que falou o tempo em que ele ficou desaparecido. "Eu já estava começando a voltar, mas ainda estava bem chapado", lembra.
"Um casal que estava em uma sacada percebeu que eu estava meio drogado e desceu para falar comigo. Eu não lembro muito o que eles falaram, mas me direcionaram porque eu estava em uma parte da cidade que não era segura. Eu estava correndo na chuva tentando achar a rua Augusta [onde estava hospedado]. Várias vezes eu achei que tivesse chegado ao apartamento."
Além de levar o celular, o criminoso gastou cerca de R$ 400 no cartão de crédito dele.
Quadrilhas são estruturadas
O titular da 1ª Delegacia Seccional de Polícia, que coordena as operações de todos os dez distritos da região central da capital paulista, Roberto Monteiro, adverte que cada vez mais os criminosos que aplicam o golpe do boa noite, Cinderela estão usando o Pix para roubar dinheiro das vítimas.
"Hoje em dia, não é mais só o bem subtraído de imediato, como relógio, joia [...]. Eles também se utilizam de cartões de crédito para os golpes e agora, especialmente, o celular para transferências bancárias por Pix e até para fazer empréstimos. [...] Teve um caso de uma pessoa que perdeu R$ 300 mil em um golpe desses."
Somente neste ano, a Delegacia Seccional do centro realizou duas operações para desarticular quadrilhas especializadas no golpe do boa noite, Cinderela: Hypnos I (fevereiro) e Hypnos II (outubro).
Na primeira, foram cumpridos sete mandados de busca e apreensão e um de prisão. Na segunda, oito mandados de busca e apreensão e um de prisão.
Monteiro explica que as quadrilhas são estruturadas. A pessoa que aborda a vítima na casa noturna não é a mesma que vai dar sequência aos crimes.
"Tem sempre aquele que vai fazer o contato com a vítima, homem ou mulher. Chega ali, paquera, faz aquela abordagem de conquista, depois acaba levando a vítima do crime para casa, induz a pessoa ao sono com o uso de medicamentos e depois limpa tudo o que tem na casa. Cartões de crédito, eletrônicos, celular [...]. Quando esse autor chega ao restante da associação criminosa, uns fazem golpes nos cartões, outros tentam tirar informações do celular para fazer Pix."
Embora as pessoas tenham sido vítimas de um crime — roubo impróprio (Art. 157, § 1º do Código Penal) —, o delegado diz que algumas ainda resistem a procurar a polícia, principalmente por vergonha.
"Mas agora, com as fraudes bancárias, a pessoa é obrigada a procurar [a polícia]. Ela pretende um ressarcimento do banco, mas os bancos estão relutantes, falam que as pessoas têm a obrigação de manter sob sua guarda as senhas bancárias. As pessoas acabam até conseguindo por via judicial esse ressarcimento."
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