Dados do Detran revelam desigualdade na capital: quatro dos cinco bairros mais populosos não aparecem nem no top 100 em CNHs

Avenida Rubem Berta, na Vila Mariana. Bairro lidera em CNHs registradas

Avenida Rubem Berta, na Vila Mariana. Bairro lidera em CNHs registradas

RENATO S. CERQUEIRA/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO 12.11.2021

Apesar de a Vila Mariana não estar entre os bairros mais populosos da capital, essa região da zona sul é campeã em números de CNHs (Carteira Nacional de Habilitação) registradas na cidade, segundo um recente levantamento do Detran-SP (Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo).

São 67.901 pessoas habilitadas a dirigir na Vila Mariana, colocando o bairro à frente de outros do centro expandido. Perdizes fica em segundo lugar, com 56.263, seguido de Bela Vista (48.450), Jardim Paulista (43.953) e Pinheiros (43.411). Em toda a capital, são 6,8 milhões de condutores.  

O fato de esses bairros apareceram à frente dos mais populosos é um sintoma da desigualdade econômica entre as regiões da capital. Dos cinco distritos mais populosos da cidade (Grajaú, Jardim Ângela, Sapopemba, Capão Redondo e Jardim São Luís), os quatro primeiros nem figuram na lista dos 100 bairros com mais CNHs da capital. Somente o Jardim São Luís aparece na 75ª posição, com 14.227 condutores.  

No entanto, os bairros com mais CNHs não obrigatoriamente possuem população com mais habilitações em relação ao total de moradores. A Vila Mariana, que é o segundo distrito mais populoso do centro expandido, tem apenas 19,7% dos cidadãos habilitados. Já Perdizes lidera com 50,6% da população habilitada, índice parecido com o de Bela Vista.


Universitários

Além do poder aquisitivo dos moradores da Vila Mariana, donos de autoescolas no bairro apontam que a quantidade de universitários na região mantém alta a demanda em comparação com outros bairros da capital.

"Tem muito jovem que vem tirar carta aqui e que não é daqui, é do interior, de outros municípios. Vêm estudar, fazer faculdade, moram em república e fazem a CNH para depois talvez voltar para sua cidade”, diz a diretora de ensino da autoescola Javarotti, Vanessa Petrillo. 


A procura vem caindo substancialmente desde a última década, segundo as diretoras e diretores de autoescolas ouvidos pelo R7. Os profissionais apontam a chegada dos aplicativos de transporte como Uber e 99 como um dos principais motivos. 


Roberta Matos, responsável pela autoescola Machado de Assis, estima que a procura pela unidade diminuiu em cerca de 50% desde 2015. “Os jovens hoje não têm mais interesse em tirar (...) Antigamente, antes de completarem 18 anos os jovens já queriam saber como que fazia, se podia fazer. Agora mudou bastante”, relatou. 


As estatísticas confirmam a visão dos diretores. Segundo o Detran, a procura caiu 10,5% entre jovens em seis anos no estado de São Paulo, saltando de 4,8 milhões em junho de 2015 para 4,3 milhões no mesmo período em 2021 na faixa etária dos 18 aos 30 anos. 



Com a chegada da pandemia de Covid-19 e o fechamento das autoescolas por meses, a demanda por carteiras ainda engatinha em alguns estabelecimentos. "O movimento ainda não voltou ao normal, talvez devido ao aumento do desemprego que a pandemia acabou provocando", diz o diretor da Exata, Antonio Jairo Batista.

Mobilidade urbana

Apesar da baixa procura entre os jovens pela habilitação, o número de veículos na cidade de São Paulo ainda é de 8,7 milhões, equivalente a 72% da população total. Neste quesito a região central volta a liderar, com Bela Vista no topo (291.315 veículos registrados), seguida por Campos Elíseos (286.508). República (260.557), Pinheiros (185.845) e Brooklin (135.145).


O transporte por veículos individuais, no entanto, deve perder ainda mais o protagonismo nos próximos anos na capital paulista, afirmam especialistas. Além do desinteresse de boa parte dos jovens, os acidentes, poluição atmosférica e prejuízos gerados pelos veículos pesam contra este tipo de transporte.


O engenheiro Sérgio Ejzenberg, mestre em Transportes pela Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo), diz que a expansão do transporte sobre trilhos, ainda insuficiente na Grande São Paulo, é outro fator futuro que pode diminuir ainda mais a procura por habilitação. 


"Comparando com Londres ou Nova York, precisaríamos aumentar sete vezes nossa rede de trilhos para igualar o serviço prestado. Quando falta transporte de massa adequado, o resultado é o uso exacerbado do automóvel", comenta. 


O doutor em Engenharia com foco em Mobilidade Urbana, Luiz Vicente F. de Mello Filho, aponta também soluções tecnológicas que a médio e longo prazo vão diminuir o número de motoristas habilitados.


"O que vai acontecer é que a tecnologia vai fazer que os carros comecem a ser autônomos, então não vai precisar mais ter um motorista. Com a tecnologia 5G, que vai aumentar muito a transferência de dados na cidade, isso vai poder ser viabilizado de uma forma muito rápida", comenta.