Explosão de mortes fez PM instalar câmeras nos uniformes e criar comissão que apura abordagens. Redução foi de 35% em 18 meses

Após registrar em 2020 o primeiro semestre mais letal em 25 anos, a Polícia Militar de São Paulo vem diminuindo há 18 meses consecutivos o número de pessoas mortas por seus soldados em serviço. Os dados fazem parte de uma análise divulgada pela própria corporação, em uma comparação sazonal desse intervalo entre os anos de 2019, 2020 e 2021. 

Entre junho de 2019 e novembro de 2020, 1.039 pessoas foram mortas por policiais militares. A taxa de junho de 2020 até novembro de 2021 é de 676, o que significa redução de 35%. Em cada um desses meses desde junho do ano passado houve queda em comparação ao mesmo mês do ano anterior. 

diminuição coincidiu com uma série de mudanças adotadas na PM em resposta ao recorde no primeiro semestre de 2020, que, conforme detalhou reportagem especial do R7, foi de 498 pessoas mortas, o maior para o período desde o início da série histórica, em 1996 (veja os dados completos abaixo). 

Para diminuir os indicadores, a PM afirma ter instalado uma comissão interna para análise de protocolos de abordagem, fortalecido a investigação de agentes e investido na aquisição de equipamentos com menor potencial de ferir suspeitos. 

Uma comissão com a participação do Judiciário e da sociedade civil também será montada até o começo do ano que vem para monitorar a letalidade e identificar fatores de risco na atuação policial. O grupo terá representantes de membros do Ministério Público, Defensoria Pública e da sociedade por meio do Instituto Sou da Paz e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Outra novidade foi a instalação de câmeras corporais acopladas aos uniformes para gravar a atuação dos soldados. A política, iniciada em agosto do ano passado, já distribuiu 3.000 câmeras em 18 batalhões e começou a distribuir outros 7.000 equipamentos.  

O uso das bodycams foi acompanhado de raros resultados. Em junho deste ano, os 18 batalhões com câmeras instaladas registraram letalidade zero, o que levou o mês a terminar com o menor índice de mortes pela polícia desde 2013.

A redução do uso da força de uma polícia é resultado da qualidade de seu treinamento e do emprego técnico de seus equipamentos e recursos

CORONEL FERNANDO ALENCAR MEDEIROS, COMANDANTE-GERAL DA PM

Traumas

Para o professor da FGV (Fundação Getulio Vargas) e integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Rafael Alcadipani, além das medidas práticas, o discurso e clima político mudaram no Executivo paulista a partir do posicionamento do governador João Doria (PSDB).

Ele aponta como exemplo da postura política anterior de Doria — mais colada ao discurso do presidente Jair Bolsonaro — a fala proferida na campanha de 2018 pelo então candidato a governador: "Se fizer o enfrentamento com a polícia e atirar, a polícia atira. E atira para matar". No ano seguinte, o governador ainda afirmou que a redução da letalidade policial não é obrigatoriedade.

Fora a mudança do discurso político do líder da Polícia Militar, argumenta Alcadipani, outros casos emblemáticos de violência policial no ano passado ajudaram a alterar o clima social e reduzir os ganhos eleitorais de discursos não contrários à letalidade.

Em São Paulo, Alcadipani cita como o ponto de virada o massacre de Paraisópolis, em ação da PM que tirou a vida de nove jovens entre 14 e 23 anos. Atualmente 12 PMs envolvidos na ocorrência são réus na Justiça.   

"Após Paraisópolis, você vê que o governo troca o comando da PM, o governo começa a se preocupar com a violência e letalidade policial. Começou a ter um contexto histórico, político e de mudança de mentalidade mesmo que acaba acarretando no que aconteceu [redução da letalidade]", diz. 

Pouco depois, em junho do ano passado, um policial dos EUA matou de forma brutal George Floyd, o que incendiou protestos contra o racismo e a violência policial em todo o mundo.

Devemos levar em conta que grande parte dessas mortes são execuções, que os policiais tratam como situações de resistência e confronto

Alta letalidade

Em comum, os especialistas ouvidos pelo R7 elogiam a queda expressiva da letalidade e a criação de outro grupo para monitorar os indicadores e o uso de força pela PM, o que havia acontecido pela última vez há cerca de 20 anos, durante a gestão Mário Covas.

"A maior preocupação é se essa política [da PM] que está sendo feita hoje vai ser mantida. Ela é capaz, inclusive, de lidar com esses casos de grupos de extermínio das polícias. O maior risco é se, com uma eleição, houver trocas e não tiver uma continuidade", pontua a diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo.

Apesar das reduções recentes, o número atual de mortos pela Polícia Militar é ainda muito alto, segundo as instituições que farão parte da comissão de monitoramento da letalidade policial. A média mensal em 2021 é de 36 fatalidades, mais de uma pessoa morta por dia em intervenções policiais.

Também é alto o número de policiais que morrem em serviço ou de folga: foram 11 até setembro deste ano e 34 em todo o ano passado. A maioria destes morreu quando estava fora do trabalho. 

A polícia no Brasil de uma forma geral, não só em São Paulo, ainda mata muito e morre muito. A letalidade e a vitimização andam juntas