Com mais de 2 milhões de habitantes, Manaus completa nesta terça-feira 354 anos em meio a inúmeros desafios ambientais construídos historicamente pelo crescimento desordenado e pela ausência de políticas públicas a curto, médio e longo prazos. Metrópole mais populosa do Norte do País, no centro da maior floresta tropical do planeja, a cidade ainda carece de espaços arborizados, ciclovias, saneamento dos igarapés. Cenário que se agrava com a seca recorde do Rio Negro e pelas queimadas florestais do seu entorno, que há dois meses enchem os céus de fumaça.
Para a arquiteta e urbanista, mestra em arquitetura pela Universidade de São Paulo (USP) e professora substituta na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Isabella De Bonis, é possível arborizar avenidas como Djalma Batista e a Constantino Nery para evitar o fenômeno conhecido como Ilhas de Calor.
“Atualmente Manaus é uma cidade extremamente voltada para o carro e qualquer espaço viário voltado para calçadas ou arborização parece um desperdício frente ao crescimento constante do trânsito viário. Porém, já é consenso entre os urbanistas que adequar a cidade para o nível sempre crescente de carros é inviável. O que precisa mudar é a qualidade do transporte público, a pé, de bicicleta”, enfatizou.
Mais árvores
De acordo com ela, em uma cidade quente como Manaus, vias bem arborizadas seriam essenciais para que a cidade se tornasse mais convidativa para pedestres e ciclistas, além do potencial embelezador que a arborização urbana trás. “Não à toa as ruas mais bonitas do Brasil são as mais arborizadas, como a Rua Gonçalo de Carvalho em Porto Alegre, ou mesmo a nossa avenida Ramos Ferreira nas cercanias da Praça do Congresso”, comentou.
De Bonis também afirmou que para arborizar é necessário traçar todo um projeto para a via. “Calçada, área de tráfego, meio fio. Além de desenvolver o entendimento na população, de que a arborização é importante e gera benefícios urbanos para todos. Mas um bom projeto viário poderia diminuir as faixas viárias, ou espaços de estacionamento”, disse
O novo censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) deve atualizar dados sobre arborização em Manaus. De acordo com o levantamento feito em 2010, a cobertura verde era de apenas 23,90%, fato que torna a cidade a terceira menos arborizada do país.
Restauração
O mestre em Ecologia e ambientalista da Associação para Conservação da Vida Silvestre (WCS Brasil), Carlos Durigan, afirmou que apesar das medidas já empreendidas, Manaus cresce sem respeitar suas áreas verdes ou mesmo sem uma proposta de arborização integrada à paisagem amazônica.
“Para a arborização urbana é importante manter o que já temos e ainda plantarmos, arborizando ruas e praças e ainda restaurando as áreas verdes existentes e ameaçadas. Para isso é importante uma estratégia de plantios que utilizem tanto espécies de crescimento rápido quanto daquelas que levam mais tempo”, explicou.
Para ele, a restauração ecológica de áreas de floresta e o estabelecimento de novas áreas em espaços degradados é vantajosa. “Essa aplicação em ruas e avenidas por si já geram uma dinâmica que gradativamente vai ajudando a reduzir os efeitos do calor e melhorando nossa qualidade de vida. Para isso, basta que tenhamos uma gestão pública realmente engajada em mudar o cenário atual que vivemos”, finaliza.
Comentário: Marcos Castro - Doutor em Geografia Humana
‘É preciso ter fiscalização’
Sobre o futuro da região, o doutor em Geografia Humana pela USP, Marcos Castro, disse não acreditar em problemas irreversíveis e que os ambientes urbanos ainda podem melhorar a relação com os rios, a fauna e a flora amazônicas.
“Enfrentamos a maior cheia e agora encaramos a maior seca. Os fenômenos extremos estão cada vez mais próximos e afetam a economia do estado, a vida dos ribeirinhos, assim como afetam a qualidade do ar. Nesse período, os focos de queimadas cresceram exponencialmente e isso não fica só no foco. A fumaça foi levada pelos ventos a lugar que nunca se tinha visto. Então, enquanto não se pensar que a vegetação fica ‘inflamável’ no período de estiagem e que qualquer bituca de cigarro, roçado de plantação, ou até mesmo um raio, podem provocar um incêndio, vamos sofrer. É preciso ter fiscalização para coibir queimadas criminosas e uma mudança de postura ambiental para evoluirmos”, finalizou.
Igarapés carecem de atenção
O doutor em Geografia Humana pela USP, Marcos Castro, ressaltou o crescimento desordenado da cidade.
“Áreas que crescem a partir de ocupações, sem planejamento prévio, vão constituir em uma retirada de cobertura vegetal. Estamos em uma questão socioambiental, pois o crescimento populacional em Manaus sempre esteve em descompasso com a capacidade do estado de acompanhar esse crescimento. Temos uma cidade que cresce ambientalmente de forma inadequada”.
Para ele, programas de habitação têm cumprido parcialmente a proposta de cidadania ao retirar as famílias que moram em áreas de riscos como os igarapés.
“Esses programas têm um viés mais paisagístico por alterar a paisagem, retirar as famílias de moradias subnormais e retirar o aspecto de favelização das margens dos igarapés. O programa de habitação também aterrou os leitos das águas, concretou margens e os transformou em córregos. Digo que é apenas paisagístico, por que os igarapés continuam poluídos, não houve nenhuma política de saneamento, continuamos jogando águas servidas e esgotos nos igarapés. Eles continuam fétidos, como sempre. No ponto de vista positivo, removeu famílias de áreas de risco, fez um rearranjo da paisagem. Mas no ponto negativo, os igarapés se mantiveram podres, mortos”, disse.
O especialista considera que o cidadão pode ser mais “amigável” com o meio ambiente por meio da mudança de hábitos, assim como os governos precisam adotar políticas públicas, como o Novo Marco Legal do Saneamento para manter o meio ambiente em equilíbrio.
“Não é só a população, os líderes precisam estipular por meio de políticas públicas, maneiras que evitem a poluição dos rios e igarapés”, disse.
Semmas lançará projeto de arborização da cidade
O titular da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Manaus (Semmas), Antonio Stroski, tem elaborado um Plano de Ação Climática, que estabelece um conjunto de ações para mitigar os efeitos das mudanças climáticas em sintonia com a agenda global do clima.
“Manaus tem uma importância essencial no bioma amazônico e precisa dar exemplo e ser liderança em questões do clima. Nós também fizemos proposta de revisão do plano de saneamento para que água e esgoto, assim como resíduos e drenagem urbana sejam revistos e atualizados à luz do novo marco do saneamento. Assim como o próprio planejamento de expansão urbana, para que haja universalização de todos os serviços para todas as comunidades que compõem o nosso município”, ressaltou.
O secretário também destacou que nos próximos dias a Semmas vai fechar uma negociação para reformular a abordagem quanto aos problemas relacionados aos principais igarapés de Manaus, assim como a revitalização desses espaços.
“Pretendemos resolver a questão da poluição, assoreamento e ocupação dos igarapés de Manaus. Ainda este ano também pretendemos inserir uma agenda nova que inclui a proteção e bem estar animal com plano de controle e remanejamento da população de cães e gatos. A forma silvestre deve ter atuação restabelecida na construção civil e em outros empreendimentos, assim como a revitalização de parques municipais. A qualidade do ar também está entre nossos compromissos para fazer o enfrentamento às indesejadas fumaças que pairavam sobre nossa cidade”, explicou o titular da pasta ambiental.
Para deixar Manaus mais “verde”, Stroski disse que o objetivo da pasta ambiental é plantar mais árvores por escala. “Ainda há grande extensão de vias asfálticas sem a presença de árvores, assim como áreas ocupadas nas zonas leste e norte com supressão quase que total das áreas verdes. Assim como as ruas dessas ocupações que não permitem espaço para árvores, mas isso tudo podemos mitigar, incluindo o plantio de árvores nos quintais. Vamos lançar um programa novo no final do ano para incrementar o plantio de árvores e melhorar a arborização na capital”, disse Antônio.
“Particularmente movimentos como a Zona Franca de Manaus com o Polo Industrial de Manaus provocaram uma corrente migratória, além da ausência do planejamento das edificações, mobilidade entre outros. Nada disso foi escolhido e planejado, mas sim ajustado à medida que essa complexa rede urbana foi se estabelecendo. Agora é o momento de reordenamento e retomada que vai exigir grandes investimentos e institucionalização de projetos, que vão se sobrepor alguns anos e décadas para que a gente possa pensar em um ambiente urbano mais sustentável”, defendeu.
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