Kamala diz que Trump não é sério e que republicanos estão fora de si

Kamala diz que Trump não é sério e que republicanos estão fora de si

 Em discurso patriótico, candidata democrata promete ser 'presidente da classe média' e guiar os EUA para o futuro


Kamala Harris acena na última noite da convenção democrata, em Chicago - Kevin Lamarque/Reuters

Porto Velho, RO - 
No mais aguardado momento dos quatro dias de convenção democrata, Kamala Harris fez um discurso patriótico ao aceitar oficialmente a nomeação de seu partido como candidata à Presidência. A democrata falou que vai lutar pela classe média e pelas liberdades individuais como lutou contra injustiças durante sua carreira de procuradora e levar os Estados Unidos em direção ao futuro.

Como esperado, Kamala também atacou o oponente, Donald Trump. Disse que ele "não é um homem sério" e que ele não cobraria responsabilidade de autocratas pelo mundo porque "ele mesmo quer ser um autocrata".

O discurso cumpriu a função de simplificar a corrida em duas oposições: classe média vs. bilionários, e futuro vs. passado.

"Nós somos os herdeiros da maior democracia da história do planeta. Em nome dos nossos filhos e netos, e de todos que se sacrificaram pela nossa liberdade, nós devemos estar a altura desse momento", disse, emocionada, na noite desta quinta-feira (22).

"É nossa vez de fazer o que gerações antes de nós fizeram: guiaram por otimismo e fé para lutar por esse país que amamos, pelos ideais que nós acreditamos, a grande responsabilidade que vem com o maior privilégio do mundo: o privilégio e orgulho de ser americano."

Ao subir no palco, Kamala foi ovacionada por quase cinco minutos pela plateia que gritava seu nome. Começou desejando feliz aniversário de casamento ao marido, Douglas Emhoff, e agradecendo a Joe Biden: "Joe, seu histórico é extraordinário, como a história mostrará, e seu caráter é inspirador". Como esperado, contou a história de sua família, de pai jamaicano e mãe indiana, que a criou junto com a irmã, Maya, depois de o casal se separar.

Na mesma linha do apelo à união feito por Michelle e Barack Obama na terça, a vice-presidente afirmou que a eleição é uma oportunidade para superar a amargura, o cinismo e as batalhas divisivas do passado, e uma chance para traçar um novo caminho à frente "não como membros de um partido ou facção".

Kamala disse aceitar sua nomeação como candidata do Partido Democrata à Presidência dos EUA "em nome do povo, em nome de todos os americanos, independentemente de gênero, raça, ou que língua sua avó fala, em nome de todos que trilharam sua jornada inesperada, em nome de americanos que trabalham duro e cuidam uns dos outros, em nome de todos cuja história só poderia ser escrita no maior país da Terra".

Com voz embargada, ela disse que foi subestimada em muitos momentos, mas que nunca desistiu, porque "sempre vale a pena lutar pelo futuro, e estamos numa luta assim: pelo futuro dos EUA". Em nenhum momento ela fez referência direita ao fato de ser mulher ou uma pessoa não branca.

"De muitas maneiras, Donald Trump não é uma pessoa séria", disse, na primeira menção ao adversário. "Ele tentou jogar seus votos fora. Quando não conseguiu, enviou uma multidão armada para o Capitólio, onde eles atacaram policiais. Quando políticos de seu próprio partido o imploraram que chamasse de volta a multidão e enviasse ajuda, ele fez o contrário: ele os incitou."

Kamala buscou dar respostas às principais fragilidades de sua campanha: economia, imigração e o conflito em Gaza —nesse último caso, menos um problema eleitoral do que uma tensão com uma parte de sua própria base democrata.

Num dos momentos em que foi mais aplaudida ao longo do discurso de 40 minutos, Kamala disse trabalhar com Biden para que a guerra em Gaza acabe "de forma que Israel tenha segurança, os reféns sejam libertados (...) e o povo palestino possa conquistar seu direito à dignidade, segurança, liberdade e autodeterminação".

"Estamos traçando um novo caminho à frente para um futuro com uma classe média forte e em expansão, e construi-la vai ser um objetivo central da minha Presidência", disse. "Eu venho da classe média. Minha mãe tinha um orçamento rígido."

"Ela esperava que a gente aproveitasse ao máximo as oportunidades que tínhamos. Ela nos ensinou que as oportunidades não existem para todos. Por isso vou criar uma economia da oportunidade, onde todos terão uma chance de competir e ser bem-sucedido", completou, em um dos momentos mais aplaudidos do discurso.

Em um tom resoluto, Kamala também disse que se recusa "a fazer politicagem com a segurança nacional", em referência à intervenção de Trump para derrubar um acordo bipartidário para uma nova política migratória. Kamala prometeu que, se eleita, irá ressuscitar o projeto e transformá-lo em lei —algo que deve desagradar nomes mais à esquerda do partido, que fizeram duras críticas ao texto na época.

Outro ponto abordado foi a defesa de liberdades, algo que a campanha tenta mostrar sob ameaça com Trump, especialmente os direitos reprodutivos. "Ele [Trump] e seus aliados vão limitar acesso a métodos contraceptivos, instituir uma proibição nacional ao aborto e um comitê para obrigar estados a denunciar abortos espontâneos. Falando claramente: eles perderam a cabeça!"

Muitas outras liberdades estão em jogo nesta eleição, disse Kamala, citando a liberdade de votar, de viver em um ambiente adequado, de ter relacionamentos homoafetivos e de se sentir seguro contra a violência por arma de fogo.

Enquanto Kamala discursava, Trump fez uma série de publicações na plataforma Truth Social, mais atento por vezes ao antigo candidato democrata do que à nova.

"Onde está Hunter?", escreveu ele, em referência ao filho de Biden, que foi condenado por mentir sobre o fato de que usava drogas ao conseguir comprar uma arma em outubro de 2018 e por possui-la ilegalmente por 11 dias. "Muitas falas sobre a infância. Nós temos que chegar à fronteira, à inflação e ao crime", escreveu ele em outra publicação.

A candidata encerrou sua fala ao som de "Freedom", música de Beyoncé que se tornou o tema de sua campanha. Havia grande expectativa de que a estrela pop subisse ao palco ou aparecesse para declarar apoio a Kamala, o que não ocorreu, para frustração das redes sociais.

Tampouco veio o endosso esperado de Taylor Swift. De famosos, destaque para o jogador de basquete Stephen Curry, um dos grandes nomes da NBA. "Eu acredito que Kamala Harris pode trazer a união de volta e continuar a fazer nosso país avançar", disse em um vídeo reproduzido no telão.

Seguindo o ritmo dos últimos dias, a programação contou com um rol de artistas –a cantora Pink, a atriz Kerry Washington (de "Scandal"), The Chicks.

Os democratas escalaram nomes para ressaltar a carreira de Kamala como procuradora atuando contra grandes empresas e criminosos sexuais.

O partido levou ao palco quatro dos "cinco do Central Park", como ficaram conhecidos cinco adolescentes negros condenados injustamente pelo estupro de uma mulher no parque em 1989. O caso teve projeção nacional e atraiu a atenção de Trump, que pagou por anúncios nos principais jornais americanos pedindo a execução dos jovens.

"Trump nos queria mortos. Fomos inocentados porque o verdadeiro criminoso confessou, e um exame de DNA provou. Trump disse que ainda acredita na sentença original. Ele prefere descartar a evidência científica em vez de admitir que errou", disse Yusuf Salam. "Ele nunca mudou e nunca vai mudar."

"Trump gastou uma pequena fortuna pedindo a execução de cinco jovens inocentes", disse o reverendo Al Sharpton. "Em novembro, vamos mostrar para ele o que são negros fazendo seu trabalho", declarou, em referência à fala do empresário no debate com Joe Biden de que imigrantes estariam roubando "empregos de pretos".

"Kamala viveu uma vida como a nossa, ela nos conhece. Trump não conhece nada de você. Você acha que ele entende que quando seu carro quebra, você não consegue trabalhar? A primeira palavra dele deve ter sido 'chofer'", disse a governadora de Michigan, Gretchen Whitmer.

Falando de episódios recentes da história como a pandemia e a invasão do Capitólio, Whitmer enfatizou que esse é o momento de escolher quem está no comando. "Se algo acontecer nos próximos quatro anos, a primeira coisa que você vai se perguntar é sua família vai ficar bem e, depois, quem está no comando. E se for ele, e se for aquele homem de Mar-a-Lago?", disse ela, retrucando a frase que Trump usou para descrevê-la –"aquela mulher de Michigan".

Em uma tentativa de se apropriar da bandeira do patriotismo, uma marca de Donald Trump, o deputado Ruben Gallego, do Arizona, levou vários veteranos de guerra ao palco durante o horário nobre do evento. Ele relembrou a frase atribuída a Trump de que a categoria é formada por "perdedores". Bandeiras americanas foram distribuídas aos delegados, que gritaram "USA!" (EUA) enquanto as balançavam.

Washington pediu para que o público sacasse o celular e gravasse um vídeo, na hora, entoando um dos gritos de guerra da campanha: "quando nós lutamos, nós vencemos".

Ela também deu uma "aula" de como pronunciar o nome de Kamala –cutucando Donald Trump ao dizer que uma coisa é genuinamente não saber, e outra é falar errado por desrespeito. O republicano faz questão de se referir à adversária, de forma pejorativa, como "Kamála" e não "Kâmala", a pronúncia correta.

Fonte: Folha de São Paulo

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