Preços altos das mercadorias vendidas para feirantes inviabilizam aplicação de descontos maiores em frutas e legumes


Rosivaldo Araújo Oliveira tem barraca de verduras na rua Itararé, na Bela Vista

Rosivaldo Araújo Oliveira tem barraca de verduras na rua Itararé, na Bela Vista

MARIANA BOTTA / R7 - 05/05/2022

A xepa não é mais a mesma. Ir à feira bem tarde, quase na hora em que as barracas estão fechando, para aproveitar os descontos sobre os produtos que não foram vendidos durante toda a manhã, não é mais uma estratégia que vale a pena. Essa é a opinião de feirantes e clientes de uma feira livre de São Paulo, que acontece todas as quintas-feiras na região central da cidade, perto da rua Frei Caneca, no bairro Bela Vista.   

Para a maioria das pessoas ouvidas pela reportagem do R7, o pequeno desconto não compensa a qualidade inferior dos legumes, verduras e frutas reservados para a venda no fim da feira. "Isso acontece porque as mercadorias estão com os preços muito altos, principalmente o tomate, o pimentão, a berinjela e a cenoura. A caixa da cenoura estava R$ 140! Como o cliente poderia encontrar o pacote por R$ 1? Não tem como!", analisa Adriano Mariano, que é feirante há 20 anos.

Há 10 anos ele vende legumes por porção, embalados em um saco plástico transparente, e explica que, dessa forma, fica mais prático para as clientes. "No começo do dia, vendemos duas porções por R$ 5, mas no fim, o máximo que a gente pode fazer é três pacotes por R$ 5. Antes, quando os legumes estavam bem baratos, a gente até conseguia vender cada pacote por R$ 1, mas agora está impossível, isso não paga nem a embalagem, que também está mais cara", diz.

O feirante conta ter observado uma diminuição do movimento na hora da xepa em todas as feiras de que participa, mas a maior queda foi aos sábados, dia em que vende seus produtos no bairro AE Carvalho (zona leste da capital). "É uma região de classe média baixa, onde as pessoas têm menos condições financeiras. O tomate, por exemplo, mesmo na xepa, não dá para ser vendido por menos de R$ 12 [o quilo], porque a caixa custa mais de R$ 200", explica.

A cenoura e o tomate, usados como exemplo por Mariano, tiveram aumento de mais de 100% em 12 meses, calculado até abril. Eles são dois dos produtos que puxaram a inflação, que subiu 1,73% no mês passado, conforme prévia divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) no último dia 27. Trata-se da maior variação desde 1995 e da maior disparada mensal do IPCA-15 (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – 15) desde fevereiro de 2003 (+2,19%), o que faz o indicador acumular um avanço de 4,31% neste ano, e de 12,03%, nos últimos 12 meses.

Rosivaldo Araújo Oliveira, que também tem uma barraca na feira da Bela Vista, diz que o preço dos produtos dobrou do início do ano para cá. Ele vende alfaces, que custavam R$ 3 em janeiro, e hoje saem por R$ 6 no início da manhã. Perto do horário do encerramento, o pé de alface pode ficar R$ 1 ou R$ 2 mais barato. "Mas não vale a pena para o cliente, porque a qualidade da mercadoria é inferior à daquela que ele encontra cedo. Se fosse um desconto maior, compensaria, mas a gente não consegue baixar muito o preço."

A cuidadora Rose Odete de Oliveira conta que costuma ir à feira mais tarde, mas que o fator econômico não é relevante nessa decisão. "Acho que vir cedo ou tarde não tem nada a ver, os preços não mudam muito mais, não. Continuo vindo à feira por causa da qualidade dos produtos", comenta.

Paulo dos Santos Vieira vende frutas em diversas feiras na cidade de São Paulo

Paulo dos Santos Vieira vende frutas em diversas feiras na cidade de São Paulo

MARIANA BOTTA / R7 - 05/05/2022

Ao contrário dos colegas, Paulo dos Santos Vieira, que é feirante há 30 anos, afirma que a xepa é sempre válida, "mas vir à feira mais cedo é garantia de levar pra casa um produto de melhor qualidade. Se a pessoa vier na hora da xepa, vai até pegar um preço um pouco melhor, mas um produto que não está tão bom".

Vieira conta que uma das frutas mais afetadas pela inflação foi a manga. Hoje, uma caixa com 35 mangas custa R$ 70 para o comerciante. "No início da feira, vendo três mangas por R$ 10, e na xepa, dá pra fazer 4 por R$ 10. Tem uma vantagem, a pessoa leva uma fruta a mais, mas não é aquela manga grande e bonita, como as que tem de manhã".

Ivonete de Souza Andrade, que trabalha em feiras desde 2002, diz que comprar na xepa pode ser vantajoso para alguns clientes. "É uma boa oportunidade para as famílias que têm bastante gente, que vão consumir rapidamente os alimentos ou vão congelar", explica. 

Terezinha Quirino e a feirante Ivonete de Souza Andrade se conhecem há 20 anos

Terezinha Quirino e a feirante Ivonete de Souza Andrade se conhecem há 20 anos

MARIANA BOTTA / R7 - 05/05/2022

Para a trabalhadora doméstica Terezinha Quirino, cliente de Ivonete há 20 anos, vale a pena pagar um pouco mais. "Prefiro pela qualidade, porque a diferença de preço não é grande."

Segundo Ivonete, como a família de Terezinha é pequena, os produtos da xepa não são os mais adequados, porque não duram muito. "O preço da xepa tem a ver com as condições da mercadoria – se estiver boa, vai ser mais cara; só vai ser barata se tiver algum machucadinho. A maior diferença de preço vai estar no produto que é mais difícil de vender", afirma.

No início da feira, a barraca de Ivonete tinha exposta a batata monalisa por R$ 5,80 o quilo. Na xepa, ela diz que nem vende esse produto por quilo: "Faço um pacotão de uns 2 ou 3 quilos por R$ 10, e deixo o cliente ciente de que ele precisa descascar tudo e congelar".