Resistência e autoaceitação: como a arte de trançar cabelos mudou a vida de jovens negras em RO

Resistência e autoaceitação: como a arte de trançar cabelos mudou a vida de jovens negras em RO


A arte de trançar cabelos proporcionou independência, autoconfiança e resistência a três jovens negras que moram em Porto Velho. Além de ser uma fonte de renda, essa habilidade é uma maneira de contribuir para a autoestima de outras mulheres.

Ao transformar essa prática em empreendedorismo, elas compartilharam com o g1experiências de viver como tracistas.

Autoaceitação como mulher negra

Larissa Perez relata que teve seu primeiro contato com as tranças na infância, quando sua mãe fazia 'twists' (uma forma de trançar) para reduzir o volume de seus cabelos. Mas o que antes era uma forma de contenção, se tornou fundamental para o processo de autoaceitação durante a transição capilar.

"Eu nem lembrava que meu cabelo era crespo e isso foi um impacto para mim. As tranças foram fundamentais no meu processo de autoaceitação como mulher negra".
Larissa Perez é uma mulher negra e conta que as tranças lhe ajudaram no seu processo de autoaceitação — Foto: Arquivo/Larissa Perez
1 de 5 Larissa Perez é uma mulher negra e conta que as tranças lhe ajudaram no seu processo de autoaceitação — Foto: Arquivo/Larissa Perez

Larissa Perez é uma mulher negra e conta que as tranças lhe ajudaram no seu processo de autoaceitação — Foto: Arquivo/Larissa Perez

Ela conta que ao praticar a arte de entrelaçar cabelos adquiriu um maior conhecimento sobre a cultura e a arte negra. Além disso, teve a oportunidade de conhecer outras pessoas negras e passou a frequentar ambientes em comum com a comunidade.

Através do ato de trançar cabelos, Larissa construiu o próprio negócio e atualmente e ele se tornou sua fonte estável de renda.

Tranças feitas pela empreendedora Larissa Perez — Foto: Arquivo/Larissa Perez

Porém, o caminho até a consolidação desse sonho não foi fácil. A parte mais desafiadora envolveu aprender a gerenciar suas finanças e ser resistente, pois há pessoas que desvalorizam o valor pago pelo trabalho, que é feito de forma cuidadosa e séria.

"Sou muito grata por esse profissão que mudou a minha qualidade de vida. Hoje eu tenho uma casa aconchegante, moro em um dos melhores bairros e tenho uma vida estável. Estou esperando um 'baby' [filho] também e minha profissão trouxe uma gestação muito tranquila porque eu posso consolidar meus horários e atender em casa", explica.

Trançar cabelos é um gesto iluminado

Simone Rios é tracista profissional há cinco ano. Ela conta que o ato de trançar cabelos mudou completamente sua vida profissional, pessoal e financeira.

Há cerca de três anos, a arte de trançar cabelos fez com que ela alcançasse a independência financeira e, com isso, conseguiu sair da casa dos pais. Além disso, agora ela tem um espaço para trabalhar, o que antes era realizado a domicílio ou em sua própria casa.

Simone conta que o ato de trançar cabelos mudou sua vida profissional e pessoal — Foto: Matheus Fideles

Ela explica que o ato de trançar cabelos é um gesto iluminado, pois mudar o visual impacta positivamente a autoestima e o empoderamento de outras mulheres. Além disso, é uma parte da identidade de pessoas negras.

"Esse trabalho é completamento ligado a autoestima de outras pessoas, então é importante trabalhar com uma delicadeza, cuidado e gentileza", explica a trancista.

Simone é proprietário de um salão especializado em tranças e ministra curso para outras mulheres — Foto: Matheus Fideles

De acordo Simone, um dos seus maiores desafios foi se aperfeiçoar na área, uma vez que na cidade de Porto Velho havia poucos cursos que oferecessem os conhecimentos e técnicas profissionais que ela almejava naquele momento.

Diante desse cenário, ela enxergou a oportunidade não apenas de se especializar na área, mas de oferecer cursos para outras mulheres interessadas em se tornarem trancistas.

Ao compartilhar seu conhecimento, Simone absorve novas aprendizagens e sente que está proporcionando a mesma chance de independência para outras mulheres.

'Me sinto bem com o que eu faço'

Kamilly Vitória, especialista em tranças desenhadas, relata que suas primeiras 'clientes' foram suas amigas da escola e na época não enxergava o ato de trançar como uma forma de empreendedorismo. Embora gostasse muito de fazer tranças, não se sentia capacitada para trabalhar na área.

Ela destaca que as tranças representam resistência e autoaceitação. Para alguns clientes que nunca experimentaram usar tranças, esse ato se torna uma descoberta pessoal significativa.

"Para nós, pessoas negras, é difícil enxergar a beleza em nós mesmos. Ao colocar tranças, nos encontramos", explica a trancista.

Como mulher negra e trancista, Kamilly enfrenta desafios adicionais, pois as oportunidades são limitadas. Após cinco anos de experiência, ela percebe uma verdadeira oportunidade de mostrar mais seu trabalho. Muitas pessoas buscam profissionais que atenda em áreas nobres da cidade.

"Por que não chamam as trancistas preta e periférica que não tem um espaço renomado e que atende a domicílio?", questiona.

Kamilly Vitória é especialista em tranças desenhadas e atende somente á domicílio — Foto: Arquivo/Kamilly Vitória

O trabalho como trancista é, também, o que permite que ela pague o curso de Direito. Além disso, ainda tem a oportunidade de investir em equipamentos e materiais para aprimorar seu trabalho.

"Eu vejo que consegui minha independência financeira desde quando virei profissional. Ainda tô construindo minha carreira e não pretendo parar. É cansativo, mas é o meu trabalho e eu amo fazer isso", ressalta a Kamilly.

Postar um comentário

0 Comentários