Em evento lotado, ministra condenou a gestão do ex-ministro Ricardo Salles e anunciou nova secretaria para frear o desmatamento.

Por Pedro Henrique Gomes, Vinícius Cassela, Paloma Rodrigues e Letícia Carvalho, g1 e TV Globo — Brasília

'Boiadas passaram por onde deveriam passar políticas de proteção ambiental', diz Marina Silva sobre o governo anterior

'Boiadas passaram por onde deveriam passar políticas de proteção ambiental', diz Marina Silva sobre o governo anterior

A deputada federal eleita Marina Silva (Rede) assumiu nesta quarta-feira (4) o cargo de ministra do Meio Ambiente. A ministra fez críticas à gestão anterior, disse que o Brasil deixará de ser um pária ambiental e anunciou novas secretarias dentro da pasta, como a de Controle ao Desmatamento (veja detalhes mais abaixo).

É a segunda vez que Marina Silva ocupa o cargo -- ela também foi ministra de Lula entre 2003 e 2008, nos dois primeiros mandatos do petista como presidente da República.

Em seu discurso de posse, Marina citou políticas ambientais adotadas pela gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que, segundo ela, foram um "desrespeito com o patrimônio socioambiental brasileiro".

Ela fez referência à expressão "passar a boiada", usada pelo ex-ministro Ricardo Salles, do governo Bolsonaro, quando ele defendeu a aprovação de flexibilizações ambientais em meio à pandemia de Covid-19.

"Boiadas passaram por onde deveria passar apenas proteção. Vários parlamentares se colocaram à frente de todo esse processo de desmonte", afirmou.

Marina disse que o Brasil deixará de ser um "pária ambiental" e passará a ter "o melhor cartão de visita" na comunidade internacional.

"Vamos ter uma ação que respeita o multilateralismo, mas vamos atuar internamente para que o Brasil volte, em vez de pária ambiental, ser o país que vai nos ajudar a finalizar o acordo com o Mercosul, que a gente consiga trazer os investimentos, que consiga abrir o mercado para nossos produtos, que a gente deixe de ser o pior cartão de visitas para nossos interesses estratégicos e passe a ser o melhor cartão de visita."

A ministra também criticou o que, para ela, foi um desmonte do governo anterior nos órgãos de defesa do meio ambiente. Para a ministra, os servidores tiveram "resistência" para continuar fazendo o trabalho.

"Todos os servidores públicos federais, que fizeram resistência na Anvisa, dentro de órgãos públicos, porque quando tudo falha, o que fica são as instituições públicas fortes, as políticas públicas bem desenhadas e servidores públicos competentes e bem comprometidos. Em sua pessoa faço uma homenagem a todos eles. Inclusive nossos companheiros da Anvisa, fundamentais nesse processo na pandemia."

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Outras medidas anunciadas

A nova ministra anunciou a criação de novas secretarias dentro da pasta, além de outras medidas, como a retomada do controle do Serviço Florestal Brasileiro e da Agência Nacional de Águas (ANA):

  • criação das secretarias do Controle do Desmatamento e Ordenamento Territorial, da Bioeconomia, da Gestão Ambiental Urbana e Qualidade Ambiental e dos Povos e Comunidades Tradicionais e Desenvolvimento Rural Sustentável;
  • retomada do controle do Serviço Florestal Brasileiro e da Agência Nacional de Águas (ANA);
  • retomada do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDam);
  • mudança do nome da pasta para "Ministério do Meio Ambiente e da Mudança Climática" para refletir o atual debate mundial.

Secretaria Extraordinária do Controle do Desmatamento

Diante da alta do desmatamento no país, Marina Silva informou que vai criar uma secretaria para frear a derrubada das florestas.

Segundo dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), a área de floresta desmatada da Amazônia Legal em 2022 foi a maior dos últimos 15 anos. De agosto de 2021 a julho de 2022, foram derrubados 10.781 km² de floresta, o que equivale a sete vezes a cidade de São Paulo.

"Quando chegarmos ao desmatamento zero, não precisará da Secretária Extraordinária de Desmatamento. Então, esse secretário sabe que a taxa de sucesso dele será medida no dia que o presidente extinguir a secretária extraordinária de desmatamento", apontou.

Secretaria de Bioeconomia

O papel dessa secretaria, de acordo com a nova ministra, será estimular a bioeconomia, valorizando os ativos ambientais, gerando renda, emprego e divisas.

"Temos muita expectativa com essa nova unidade no MMA", disse Marina.

Secretaria de Gestão Ambiental Urbana e Qualidade Ambiental

"Na verdade, embora boa parte do patrimônio ambiental brasileiro esteja em áreas naturais, é inegável a necessidade de termos políticas ambientais para o meio urbano. Portanto, estamos recuperando essa temática dentro do ministério, que será desenvolvida em conjunto com outros ministérios", explicou a ministra.

Secretaria de Povos e Comunidades Tradicionais e Desenvolvimento Rural Sustentável

"O ministério, como já havia mencionado, pretende dar destaque ao papel dos povos e comunidades tradicionais [...] Para tanto, criamos a Secretaria de Povos e Comunidades Tradicionais e Desenvolvimento Rural Sustentável", completou Marina Silva.

Retomada do Serviço Florestal Brasileiro, ANA e PPCDam

Em sua fala, Marina lembrou que importantes órgãos de gestão ambiental, como a Agência Nacional de Águas (ANA) e o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) foram retirados do Ministério do Meio Ambiente durante o governo Bolsonaro e passaram a integrar outras pastas.

"O que constatamos foi um profundo processo de esvaziamento e enfraquecimento dos órgãos ambientais", disse.

Uma das funções do Serviço Florestal Brasileiro é trabalhar pela recuperação da vegetação nativa e recomposição florestal. Além disso, o órgão também tem como atribuição regular as concessões de áreas de florestas públicas para a exploração sustentável.

Já o PPCDam foi criado objetivamente para o combate à perda de floresta na Amazônia Legal. A implementação do plano, no entanto, estava atrelada ao Fundo Amazônia. Uma vez retomado o fundo, Marina prometeu forte atuação no combate a crimes ambientais e nas políticas de fiscalização ao desmatamento sob os pilares do PPCDAm.

Autoridade Climática

A criação da Autoridade Climática, órgão já anunciado pelo governo Lula, é outra novidade da pasta. Será implementada para cuidar dos temas relacionados ao aquecimento global.

Marina Silva afirmou que o comando da nova estrutura não será uma indicação política e nem diplomática. Segundo ela, o indicado terá um perfil mais técnico, e o órgão será "uma espécie de Inpe do Clima" – em referência ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.

O Inpe é responsável, por exemplo, pelo monitoramento do desmatamento e dos focos de queimadas nos biomas brasileiros.

As declarações foram dadas por Marina durante a cerimônia de transmissão de cargo do embaixador Mauro Vieira, que assumiu o comando do Itamaraty nesta segunda.

Cerimônia concorrida

Posse de Marina Silva no Palácio do Planalto foi concorrida e, quem não conseguiu entrar, viu em telões do lado de fora — Foto: Rafael Sobrinho/ TV Globo

A cerimônia no Palácio do Planalto foi concorrida e teve convidados fazendo fila do lado de fora (veja no vídeo abaixo).

Para atender a quantidade de pessoas presentes, também foi montado, de forma improvisada, um telão do lado de fora do edifício.

Fila para posse de Marina deu volta no Palácio do Planalto

Fila para posse de Marina deu volta no Palácio do Planalto

Presentes na solenidade

No palco da cerimônia, ao lado de Marina, estavam:

  • o secretário-executivo do MMA, João Paulo Capobianco;
  • o vice-presidente Geraldo Alckmin;
  • a primeira-dama, Janja da Silva;
  • o ministro da Casa Civil, Rui Costa;
  • a ministra das mulheres, Cida Gonçalves;
  • o presidente do Senado em exercício, Veneziano Vital do Rego;
  • a presidente da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, Verônica Sanchez;
  • a indígena Txai Suruí, que discursou na abertura oficial da Conferência da Cúpula do Clima (COP26);
  • e uma representante do Conselho Nacional das Populações Extrativistas.

Reaproximação de Lula com Marina

Marina foi anunciada como ministra em 29 de dezembro por Lula. Antes dela, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) também chegou a ser cotada para ocupar a pasta, mas acabou sendo nomeada para o Ministério do Planejamento.

O retorno de Marina Silva à pasta e a uma aliança com o PT ocorre 15 anos após a política deixar o cargo e o Partido dos Trabalhadores, concorrer três vezes à Presidência por outras siglas e fundar o partido Rede.

A reaproximação de Lula com Marina se deu durante a campanha eleitoral deste ano, quando o petista derrotou o então presidente Jair Bolsonaro.

Lula tem repetido em discursos, inclusive no exterior, que dará destaque à agenda de preservação ambiental e de combate às mudanças do clima.

Quem é Marina Silva

Acreana, Maria Osmarina Silva Vaz de Lima nasceu em 8 de fevereiro de 1958.

Historiadora, junto com o seringueiro Chico Mendes foi uma das fundadoras da Central Única dos Trabalhadores (CUT) em seu estado.

Marina foi vereadora em Rio Branco, deputada estadual, senadora por dois mandatos e ministra do Meio Ambiente durante os primeiros mandatos do presidente Lula.

A política foi filiada ao PT e passou por PV e PSB, antes de integrar a Rede Sustentabilidade.

Em 2010, Marina concorreu à Presidência da República como candidata do PV. Recebeu 19,6 milhões de votos e ficou em terceiro. Em 2014, pelo PSB, ela repetiu o terceiro lugar, desta vez com 22,1 milhões de votos.

Já em 2018, Marina concorreu pela Rede e teve 1 milhão de votos. O desempenho a fez repensar a carreira. Em 2022, ela foi eleita deputada federal por São Paulo.