'Rodas de Sampa': público renovado faz samba se espalhar por SP, seduz jovens e levanta discussão sobre respeito às tradições; mapa mostra locais

'Rodas de Sampa': público renovado faz samba se espalhar por SP, seduz jovens e levanta discussão sobre respeito às tradições; mapa mostra locais


De rodas voltadas para o público LGBTQIA+, como o Sambixas, àquelas supertradicionais, como o Samba da Vela, é possível encontrar samba espalhado por toda São Paulo. E tem os que misturam tradição e o novo (e diverso) público, como o Madeira de Lei e o Samba da Treze, que atraem multidões para o Bixiga. É o que mostra também o mapa que você encontra ao fim desta reportagem e que destaca onde estão localizadas mais de 50 rodas em todas as regiões da cidade.

“Tem arte no Brasil que fica no ponto cego um tempão. E aí, de repente, volta a ser vista. Acontece isso com o samba.” Assim a vocalista do Samba de Dandara, Maíra da Rosa, explica o boom atual. Fundado há 12 anos, o grupo é formado apenas por mulheres e é um dos que representam a diversidade de rodas de samba na cidade.

“O dinheiro tem chegado mais para a gente: um pouco mais do que é comum, um pouco menos do que a gente gostaria”, brinca a sambista.

Nesta reportagem, você vai ler sobre:

  • Locais históricos para o samba em São Paulo
  • A mulher que fundou a primeira escola de samba de São Paulo
  • A relação entre as rodas e as religiões de matriz africana
  • As rodas que se multiplicaram e tomaram conta da capital
  • Personagens históricos do samba em São Paulo
  • Um mapa mostrando onde estão as rodas de samba atuais

Berço do samba na Barra Funda

Em locais como o Boteco Dona Tati e o Anexo Godê, na Barra Funda, jovens de classe média têm se reunido em torno dos sambistas convidados a entoar desde clássicos, como "Vou festejar", a hinos do samba paulista, caso de "Tradição (Vai no Bixiga pra ver)", de Geraldo Filme.

Não é só no Bixiga, no entanto, que se apresenta a tradição do samba paulista. A cerca de dez minutos desses bares, nas proximidades do viaduto Pacaembu, há uma placa em homenagem ao Largo da Banana – também conhecido como Berço do Samba de São Paulo.

Era ali que, no início do século 20, a população mais pobre da cidade realizava rodas após um dia inteiro descarregando mercadorias como arroz, feijão e banana. Não é coincidência que a região da Barra Funda, onde ficava o Largo da Banana, tenha gestado o primeiro cordão carnavalesco de São Paulo, que depois veio a se transformar na escola de samba Camisa Verde e Branco. Agora, o grupo Velha Guarda Camisa Verde e Branco promove diversas rodas espalhadas pela cidade, mas concentradas principalmente na Barra Funda.

É a partir de alguns desses eventos históricos que as meninas do Samba de Dandara chamam atenção para o caráter cíclico que faz parte da tradição do samba na cidade e coincide com a ascensão da cultura negra, especialmente entre os mais jovens.

“As pessoas estão voltando para suas tradições, e mesmo quem tem a pele mais clara está entendendo que vive em um terreirão preto."

As tias e madrinhas do samba

A escultura de Madrinha Eunice foi instalada no bairro da Liberdade — Foto: Lyllian Bragança/ Arquivo pessoal

Outro ponto crucial na história do samba na capital paulista é o bairro da Liberdade. Majoritariamente associado, ao longo das últimas décadas, à grande presença de imigrantes japoneses, o bairro também foi cenário de eventos de resistência negra.

Lá ficava a Lavapés, a primeira escola de samba de São Paulo, fundada pela sambista Deolinda Madre, também conhecida como madrinha Eunice.

Os títulos de "madrinhas" ou "tias" são frequentemente dados a mulheres respeitadas em comunidades do samba. "Tia" também é usado para lideranças em terreiros, caso de Tia Surica da Portela, no Rio.

Encantada pelo carnaval do Rio, madrinha Eunice trouxe a tradição das escolas de samba para a capital paulista. Antes disso, era frequentadora das festas de Pirapora do Bom Jesus, cidade referência para o samba paulista. Batizou mais de 40 crianças e ficou conhecida como uma liderança negra na região entre a Liberdade e o Glicério.

Madrinha Eunice ganhou uma estátua em 2022, simbolizando o pioneirismo das mulheres negras na história do samba. Também na Liberdade, a mãe do compositor Geraldo Filme, Dona Augusta Geralda, fundou o sindicato das empregadas domésticas, de onde mais tarde surgiu a escola de samba Paulistano da Glória.

Além de compositoras, musicistas e mestres de cerimônia, as mulheres também estão nas rodas de samba como organizadoras e empresárias – nem sempre sob o título de tias e madrinhas. É o caso de Margareth Valentim, que fundou o Quintal dos Prettos junto com Magnu Sousá e Maurílio de Oliveira.

A festa nasceu como um pagode independente na Zona Leste e hoje recebe hoje mais de 2 mil pessoas por edição.

O termo "pagode" é usado aqui no sentido tradicional, como uma reunião em que se toca samba, não como um estilo musical.

O samba abriga ainda uma feira de empreendedores pretos e frequentemente recebe visitas de peso, como a cantora Maria Rita. Sem grandes luxos, "tudo é feito na raça", afirma Margareth, que ocupa o cargo de diretora-executiva do evento.

"A gente tem que fazer toda uma estrutura para o evento acontecer, sem patrocínio, sem nada... É uma estrutura típica de samba", diz.

"As mulheres comandam esse movimento, o tempo passa, e as matriarcas ficam", avalia o sambista Magnu Sousá, do Quintal dos Prettos.

Onde se ouve 'samba raiz'

Uma das atrações será a comunidade Samba da Vela — Foto: Divulgação

No bairro de Santo Amaro, na Zona Sul, a tradição sambista é pregada por Chapinha da Vela. Ele é um dos fundadores da Comunidade Samba da Vela, onde compositores da velha guarda se reúnem com os mais novos e apresentam suas canções.

Sempre às segundas-feiras, o samba só tem fim quando uma vela, posicionada no centro da roda, termina de queimar, daí o nome. Segundo Chapinha, o cronômetro só era estendido com as visitas da madrinha Beth Carvalho, quando pedia para "ouvir mais um pouco".

"Já ouvi falar 'vou para o Rio, que em São Paulo não tem samba'. Mas a pessoa vem, se hospeda no Centro da cidade e não sai de lá", diz Chapinha, avaliando que muitos dos turistas que visitam São Paulo acabam não conhecendo o samba raiz da cidade.

A Comunidade Samba da Vela foi fundada por Chapinha no início dos anos 2000, junto dos irmãos Magnu e Maurílio e do compositor José Alfredo Gonçalves Miranda, o Paquera, que morreu em 2014.

Na comunidade, predominam estilos mais tradicionais, como o samba-choro - como a "Saudosa maloca", de Adoniran Barbosa -- sambas dolentes e melodias de partido-alto. E Chapinha é quem conduz as rodas, como mestre de cerimônias.

"O samba tem fundamento. Nada contra o moderno, mas você tem que entender o que é tradicional", defende. "Sem raiz, nenhuma árvore se segura em pé."

Roda de samba também é responsabilidade

Poeira Pura movimenta circuito das rodas de samba em São Paulo — Foto: Divulgação (Fotógrafo: Lucas Xerel)

Não é só o estilo da música que faz parte dos fundamentos da roda de samba. Mesmo em pagodes com menos tempo de vida, não é incomum o sambista interromper a festa e passar algum recado ou até dar um puxão de orelha no público. É o que Magnu e Maurílio chamam de "hora do presta atenção".

Não pega bem, por exemplo, forçar um lugar na beira da roda se não souber cantar junto ou acompanhar o samba na palma da mão.

Segundo Mateus Professor e Rogério Família, que comandam o Poeira Pura, "a primeira parte da roda de samba é a parte sagrada".

"Isso não é ser excludente, é só para a energia da roda circular bem", defende Mateus. "A beira da roda de samba não é privilégio, é responsabilidade."

Desde 2022, o grupo carioca separa o primeiro fim de semana do mês para tocar na Zona Norte de São Paulo, mais uma evidência de que o ritmo está em alta na cidade. O público, que costuma ter entre 20 a 30 anos e presença negra considerada "avassaladora", esgota ingressos em questão de minutos.

“O samba não está inserido nesse mercado de clientelismo de 'eu pago, eu fico onde quiser'", defende Mateus. Herança direta da cultura dos terreiros, o zelo pela beira da roda é considerado uma responsabilidade tanto de quem faz o samba como de quem canta junto.

Outros motivos para a bronca dos sambistas variam de acordo com a roda, e nem sempre agradam aos mais jovens e mais progressistas, mas são justificados pelo que dizem as religiões de matriz africana.

“É uma festa de família, entendeu? No nosso terreiro, pode fumar um baseado? Não!", declara Magnu, do Quintal Dos Prettos, onde o público no Espaço Maria Zélia é comumente comopsto por crianças e idosos. "A gente não chega no terreiro de candomblé ou de umbanda e acende um baseado”, explica.

"Quando a gente dá esse 'salve', é para pessoas que não entenderam que aquilo é entretenimento e, ao mesmo tempo, uma coisa muito séria que a gente leva para a vida: a ancestralidade."

Personagens históricos

Conheça, abaixo, figuras marcantes do samba em São Paulo:

Onde estão as rodas de samba em São Paulo

O g1 mapeou mais de 50 rodas de samba na capital paulista em todas as regiões da cidade. Neste guia, você encontrará:

  • Comunidades tradicionais
  • Rodas no centro
  • Rodas nas periferias
  • Rodas formadas só por mulheres
  • Rodas LGBTQIA+ 

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